Vinte mil euros por duas semanas, sem factura e nada a declarar. Se alguém perguntar
responderia sempre: somos amigas de longa data. A casa senhorial, de um burguês feito
visconde na segunda metade do século XIX, era cara. Uma pequena fortuna, mas era a
melhor montra para os negócios que queria fazer. Além do brasão que ostentava, tinha
picadeiro, boa piscina, pêssegos deliciosos e era próxima da Expolima, onde iam
decorrer os I Jogos Equestres.
Voltou a centrar-se na leitura da revista. “Altas temperaturas levam famosas a banhos — lia ela. “Dentro ou fora do país. Na piscina ou no areal. Em biquíni ou em fato de banho. As altas temperaturas não deixaram ninguém indiferente. E as ‘nossas’ famosas não são excepção”, avançava o texto, que ainda coubera na foto publicada. As reacções não demoraram.
“Pois, as não famosas são umas porcas, não vão a banhos”, escreveu logo uma seguidora no primeiro comentário.
“As não famosas vão é a banhos todos os dias, porque têm de trabalhar e não se podem apresentar ao serviço sujas”, logo redarguiu a segunda seguidora.
Em gestos lentos pousou na mesa de apoio o telemóvel, sobre ele pôs os óculos de sol, a revista e o seu chapéu, de abas largas. Calçou os chinelos, levantou-se, molhou-se no chuveiro de água fria, caminhou e mergulhou, na água morna.
Na água sem mais gente, nadou calma quatro piscinas de bruços e outras duas de costas, a olhar para o céu azul quase lilás, polvilhado de nuvens altas tingindo-se de reflexos laranja, desentorpecia da viagem longa a conduzir, toda a tarde, de Cascais a Ponte de Lima.
Parou de nadar quando percebeu que, de perto, chegava bem audível uma canção. A Whiter Shade Of Pale. Tinha de ouvir até à última nota. Estendeu-se a secar. O sol, já morno de fim da tarde, incidia no corpo agora refrescado. De olhos bem fechados, continuou a escutar. A canção dos Procol Harum terminou. Sentia-se numa semi- consciência, próxima de um sonho, com memórias da juventude, ora a tanger a realidade — um limbo de que despertou com o telemóvel a tocar.
Era o filho.
— Estou, mãe?
— Olá Viriato! Então, como vais?
— Estou a ligar só saber se a viagem correu bem...
— Sim, querido. Faz-se muito bem, sempre de auto-estrada até Ponte de Lima e depois só mais 10 minutos até à casa da Mariana. Isto aqui está lindíssimo, de um verde lindo de ver. Estava mesmo a precisar. Não conheces esta zona, pois não?
— Só de passagem. Talvez um destes dias passe aí e almoçamos juntos.
— Excelente ideia, faz mesmo isso! Traz a Beatriz e o Nuno!
— Vamos mesmo programar isso. Conte connosco sexta-feira para o almoço!
— Que bom! Fico então à vossa espera!
— Bom, vou buscar o Nuno ao colégio. Beijinho, mãe!
— Beijinho querido! Até sexta!
Desligou o telefone e voltou à página pessoal do Facebook. “Não me convinha nada a visita do Nuno na sexta-feira”, ia pensando, enquanto lia os trinta e sete comentários que já acumulara a sua foto mais recente. Chamou-lhe a atenção um dos mais recentes:
“Querida Lourença, não ligue, tenha paciência com isto e divirta-se como só você sabe. Beijinhos”.
“Cabra! Ela sabia que o Afonso era meu”, pensou.
Voltou a abrir a revista. Sob o título “Valentim rima com Amorim”, lá estava ela, na foto, com ele. “Nas ondas da Comporta”, dizia a legenda, “Amélia Valentim refresca-se na companhia de Afonso Amorim”.
Voltou a pegar no telemóvel, para rever o Facebook.
O post de Constança já contava 119 gostos e 49 comentários.
“Por que há gente assim?”, questionou-se. Secou na toalha o dedo indicador, que estava, como toda ela, a transpirar.
Com o mesmo dedo, tocou no écran táctil do telemóvel, fez scroll, puxando abaixo e viu Mafalda, a filha mais nova. “Não há céu como o do Alentejo”, escrevia, numa selfie tendo ao fundo o sol a pôr-se no Alqueva. Resolveu enviar-lhe uma mensagem. “Mafalda, querida. O teu pai aparece hoje na capa da Camarim, com a... tu sabes com quem”. A filha respondeu de pronto: “Sim, mãe, já vi. Olhe, que sejam felizes. A mãe onde se meteu?”.
“Estou em Ponte de Lima”, respondeu, explicando: “Esta semana há aqui um evento com cavalos e nós temos aqui dois no concurso de saltos e outros dois na dressage. Se conseguir vender dois fico com o orçamento do próximo ano composto. Vamos ver, mas não digas nada ao teu irmão, que ele não gosta de saber que ando a vender os cavalos. Se passares em Alter, vê como estão as coisas. Beijinho.”